sexta-feira, 7 de setembro de 2018

(Capítulo 87 – Luisa)


Algumas semanas depois...

Eu estava completando nove meses de gestação, Luisa estava com 45 cm e pesava 3,5 kg, estava tudo pronto para receber a nossa princesinha. Confesso que a ansiedade tomou conta de mim, principalmente nessa ultima semana que eu comecei a sentir as contrações. Luan tirou alguns dias pra ficar com a gente, pois sabíamos que a qualquer momento ela poderia nascer. Depois daquela minha conversa com Laura, nós não tocamos mais no assunto, nem eu queria. O papai estava sendo extremamente cuidadoso, ele acordada no meio da noite pra saber se estava tudo bem, ligava sempre nas vezes em que precisava sair. Ele me tranquilizava, tentava me passar calma nesse momento, fazia com que eu me sentisse segura e confortável.

Era uma noite fria de sexta-feira, estávamos tentando dormir, pois desde o finalzinho da tarde eu estava sentindo algumas contrações fortes. Paula conversava comigo de meia em meia hora, mas ela dizia que eu aguentava mais um tempo em casa, já que Luisa estava apenas se preparando para deixar minha “barriga quentinha”. Eu tentava respirar, mas era quase impossível, minha barriga estava enorme, dura e eu não tinha forças para mais nada.

— Vida? — acordei Luan quando senti minha bolsa estourar.

— O que foi? — ele perguntou um pouco sonolento.

— Acho que minha bolsa estourou. — o olhei apreensiva.

— Estourou? — levantou calmo — Está na hora?

— Eu acho que sim... — senti uma dorzinha se instalar no pé da minha barriga — Eu acho que chegou a hora.

— Quer ligar pra Paula? — ele perguntou procurando o celular.

— Quero sim... — tentei responder ao sentir um pouco mais de dor — Eu quero falar com ela. — Luan discou o número da nossa médica e me entregou o celular — Paula?

— Como estamos, Alice?

— Eu acho que a minha bolsa estourou.

— Saiu muito liquido?                    

— Muito, eu estava cochilando e acordei toda molhada... Ai, eu estou sentindo dor agora. — tentei respirar.

— Certo, eu estou indo para a clínica.

— Podemos ir logo? – perguntei espremendo meus olhos.

— Agora! — respondeu firme — Sua filha está pronta, Alice!

Eu sentia um misto de ansiedade, felicidade e aflição, enquanto a dor só aumentava um pouco mais a cada segundo. Luan ligou para nossos pais, para Laura e Douglas e avisou a Arleyde que nossa filha estava pronta para nascer. Não demorou muito para que déssemos entrada no hospital, enquanto eu tentava inutilmente respirar, mas Luisa não deixava.

— Vai com calma, filha! – falei sentindo um pouco mais de dor.

— Ô filhinha, deixa sua mãe respirar. – ele falava passando a mão sobre minha barriga.

— Você ligou pra minha mãe? – perguntei o olhando.

— Liguei, eles estão vindo pra cá. — respondeu carinhoso — Eu te amo, sabia?

— Eu te amo, muito! – o olhei com todo o meu amor – Ai...

Pensa que daqui a poucas horas, nossa Luisa estará aqui com a gente. — ele falou tentando me tranquilizar.

Não demorou muito para que a equipe de Paula me levasse para um quarto todo preparada, com pessoas extremamente cuidadosas e amorosas. Meu parto seria normal, eu já estava com alguns centímetros de dilatação, as dores vinham cada vez mais fortes e com frequência. Luan em nenhum momento saiu do meu lado, nossos familiares começavam a chegar, todos estavam ansiosos e felizes com aquele momento.

— Cheguei! — Paula entrou sorridente no quarto — Como estamos? — perguntou me olhando.

— Estamos com dor. — respondi a olhando.

— Vamos fazer um exame rápido pra saber como Luisa está. — ela continuou sorrindo — Estou ansiosa pra ver a carinha dessa princesa.

— Estamos todos. — Luan falou acariciando minha barriga — Vem logo, Luisa.

Enquanto Paula me consultava, Luan foi até a sala de espera para conversar com todos que esperavam ansiosos por notícias. Já passava das 2h00 da madrugada, eu não estava mais aguentando sentir tanta dor, nem Luisa queria mais continuar dentro da minha barriga. Era um momento muito mágico, de profundo amor e intimidade entre nós duas, eu e minha filha amada. Eu poderia sentir essa dor por muitas horas, só por saber que no fim eu teria a minha Luisa nos meus braços.

— Vamos levá-la para a sala de parto. — Paula avisou a sua equipe.

— Cadê o Luan? — perguntei sentindo uma tontura.

— Ele está vindo! — uma enfermeira me tranquilizou.

— Vamos lá! — Eles me levaram para a sala.

Eu teria que ser forte, teria que enfrentar todos os meus medos, para que eu pudesse trazer minha filha ao mundo. Luan chegou sorrindo, mas por dentro ele estava nervoso, estava tenso e com a mesma sensação que eu. Tudo era muito novo, nunca vivemos um momento com esse, estávamos prestes a encarar uma nova realidade.

— Luan... — o chamei enquanto sentia uma dor fora do comum.

— Eu estou aqui, meu amor! — beijou minha mão — Não vou sair daqui, tá?

— Vamos lá, Alice! — ela segurou minhas pernas — Força, sua filha está chegando! 
  
— Aaai! — gritei.

— Mais um pouco, Alice! — ela me incentivou a continuar — Força, força!

— Só mais um pouquinho, amor. — Luan segurava firme minha mão.

— Vamos lá! — Paula falava animada.

— Ai, ai! — gritei colocando toda a força que existia no meu ser.

— Só mais um pouquinho... — e antes que Paula continuasse, Luisa nasceu.

“Ela nasceu, nasceu.” Eram essas as palavras que eu ouvi logo em seguida do primeiro chorinho da minha filha. Luan estava profundamente emocionado, me olhava, ao mesmo tempo em que olhava tudo o que acontecia com nossa filha. Depois de todo o procedimento inicial, Paula a colocou toda agasalhada em meus braços, me fazendo sorrir de tanta felicidade. Ela era apaixonante demais, tinha o cabelinho pretinho, pele branquinha, bochechas rosadas. Olhei suas mãozinhas, seus pezinhos e a beijei com todo o amor que existia dentro do meu coração. Luan a olhava encantado, admirando, parecia não acreditar que o fruto do nosso amor estava bem na nossa frente. Uma das enfermeiras avisou que precisaria levar Luisa para fazer alguns exames, mas que logo a traria de volta para a primeira mama. Eu me despedi dela com mais dois beijos, como se dissesse a ela que logo nos encontraríamos novamente. Quando a enfermeira tirou Luisa dos meus braços, senti como se meu coração estivesse sendo esmagado, enquanto uma dor tomava todo o meu corpo. Eu estava perdendo minha visão, minha respiração estava falha e minhas mãos estavam dormentes.

— O que tá acontecendo com ela? — Luan perguntou preocupado.

— Doutora, ela está tendo uma parada cardíaca! — A enfermeira alertou.

— Não, Alice! — Paula falou se aproximando — Traz o desfibrilador! 

— ALICE! — Luan gritou desesperado — NÃO FAZ ISSO COMIGO!

— Tira ele daqui! — os enfermeiros o tiraram da sala — Fica comigo, Alice...

Essas foram as ultimas palavras que eu me lembro, depois apenas abri meus olhos, me deparando com o mesmo lugar do sonho que tive com Vicente. Dessa vez eu estava sozinha, tudo estava em silêncio, eu nem sequer conseguia escutar a minha própria respiração. Percebi que ao meu redor se passava um filme, com cenas conhecidas pra mim, era o filme da minha vida. O meu nascimento, os meus primeiros passos, as brincadeiras com meu irmão, meu primeiro dia de aula. Meu crescimento, minha formatura da escola, meu primeiro namorado, minha paixão pela fotografia, Vicente.

— Essa foi uma boa fase, não foi? — me assustei ao ouvir sua voz atrás de mim.

— Vicente! — corri para abraçá-lo.

— Como se sente? — ele perguntou carinhoso.

— Confusa. — confessei — Eu não sei o que está acontecendo.

— Olha esse momento aí. — pediu que eu voltasse a olhar o que se passava ao nosso redor.

— Foi o pior momento da minha vida. — me referia ao momento de sua morte.

E passou o momento de quando eu me mudei para São Paulo, meu encontro com Luan, nosso relacionamento conturbado, minha gravidez. Tudo se passava como boas lembranças, eu tinha a sensação de estar assistindo uma novela onde eu era a personagem principal. O nascimento de Luisa, o emocionante momento do nosso encontro, a maneira como Luan nos cuidava. E tudo desapareceu, como se a energia tivesse acabado, como se nada mais tivesse sentido naquele momento.

— A minha filha. — o olhei emocionada — Você...

— Está tudo bem. — ele enxugou uma lágrima do meu rosto.

— Eu estou morta, não estou? — perguntei o olhando.

— Sim! — falou com convicção — Mas você tem o direito de escolha, sabia?

— Escolher entre ficar e ir? — o olhei confusa.

— Escolher entre ficar ou ir. — repetiu.

— Eu escolho ir. — falei o olhando nos olhos — Eu te amo, mas eu também amo eles dois.

— Eu sabia que você faria essa escolha. — sorriu — Mas não se preocupe, eu estarei pra sempre com você.

— Sei que sim. — o abracei com todo o meu coração.

— Eu estarei em um pedacinho da Luisa. — me olhou nos olhos — No coração.

E foi quando eu compreendi as palavras daquela cigana, principalmente quando ela disse que Luisa era reencarnação de alguém que partiu cedo demais. Vicente estaria sempre comigo através do meu bem mais precioso, da minha filha amada.

— Esta na hora de você voltar.

— Tá bom. — sorri.

— Feche os seus olhos. — atendi ao seu pedido — Eu amo você...

E eu respirei fundo, respirei tão fundo que senti minha alma voltando ao meu corpo de uma maneira que eu nunca conseguirei explicar. Apenas ouvi barulhos, eram as enfermeiras e Paula tentando me reanimar, insistentes na batalha de me trazer de volta a vida.

— Ela está respirando! — alguém falou.

— Graças a Deus, Alice! — Paula agora se aproximou.

— Luan... — tentei falar ao abrir os olhos.

— Ele está com sua filha. — ela me olhou sorrindo.

A partir daquele momento eu não me lembro de absolutamente mais nada, mas eu sei que elas me cuidaram com todo amor. Eu dormi por um longo tempo e acordei quando eu estava no quarto, já recuperada do que havia acontecido. Tudo parecia confuso demais, eu não sabia se meu encontro com Vicente foi real ou apenas imaginação da minha cabeça. Meus pensamentos estavam todos embaraçados, fiquei pensando se tudo não passou de apenas mais um sonho. Abri meus olhos com cuidado, tudo o que eu mais queria naquele momento era ver as pessoas que eu mais amo.

— Luan? — o chamei ao sentir a presença de alguém no quarto.

— Oi, meu amor! — ele se aproximou — Você tem noção do susto que me deu? — Nos assustamos com alguém batendo na porta.

— Posso entrar? — Paula entrou na sala sorrindo — Como minha paciente preferida está se sentindo?

— Cansada. — falei com dificuldade.

— Mas seus exames estão ótimos. — me olhou carinhosa.

— O que aconteceu, Paula? — perguntei.

— Você teve uma parada cardíaca logo após o nascimento da Luisa, você ficou sem batimentos cardíacos por quase três minutos. — me assustei quando ela disse isso — foram três minutos tentando te trazer de volta.

— Meu Deus! — fechei meus olhos.

— Foi um grande susto pra todo mundo que estava naquela sala, porque você deu nenhum sinal de alerta durante a gestação inteira. — ela explicava.

— E como será a recuperação dela agora? — Luan perguntou preocupado.

— Ela precisará passar esse dia aqui em observação, porque amanhã temos alguns exames simples pra fazer. — anotava algo em sua agenda.

— E Luisa? — perguntei a Luan.

— Ela está com nossa família. — ele sorriu — Podemos trazê-la aqui, Paula?

— Claro! — ela respondeu saindo.

— Seus pais chegaram, eles estão lá em casa. — Luan sentou em um cantinho da minha cama — Meus pais, Bruna, Laura e Douglas também estiveram aqui.

— Eles viram Luisa?

— Viram sim. — sorriu — E aí pedi que eles fossem descansar.

— E você, amor? — segurei sua mão — Não descansou ainda?

— Eu não quis sair daqui antes que você acordasse, antes que eu tivesse certeza que você estava bem.

— Eu te amo tanto, Luan! — quase sussurrei.

— Eu tive tanto medo de te perder. — ele abaixou a cabeça — Eu não sei o que seria de mim sem você aqui.

— Não quero que pense mais nisso. — respirei fundo — Estamos todos bem, daqui a pouco estaremos em casa.

— Desculpa interromper o papo, mas tem alguém aqui que quer ver a mamãe dela. — Paula entrou com minha Luisa nos braços — Está aqui a sua princesinha.

Luan me ajudou levantando um pouco mais a minha cama, para que eu ficasse quase sentada. Ela me entregou a minha filha, fazendo meu coração quase explodir de tanta felicidade por tê-la em meus braços novamente. Ela tinha um cheirinho bom, seus olhos eram parecidos com os meus, mas seu narizinho e boca pareciam com os de Luan. Era maravilhoso segurar minha Luisa, senti uma necessidade enorme de chorar e assim eu permiti que acontecesse. Chorei, porque eu estive a um passo de nunca mais poder nem sequer tocar a minha menina. Automaticamente me lembrei das palavras de Vicente, de que ele estaria comigo através dela, dentro de seu coração. E eu teria a prova disso no futuro, de uma maneira que eu olharia para Luisa e enxergaria um pouco de nós três nela. Fisicamente parecida comigo e com Luan, mas por dentro ela teria muito dele, principalmente o caráter e amor. Eu enfrentei a morte, para provar que a minha vida é preciosa demais para deixar que as coisas simples passem.

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