Acordei no dia seguinte sentindo um cheiro bom de café fresquinho, abri
meus olhos, olhei para o lado e meu marido estava entrando no quarto carregando
uma bandeja enorme, cheia de coisas maravilhosas. Ele era lindo, eu tinha sorte
de ter aquele homem ao meu lado, de poder chamar de meu amor. Tomamos café
juntos, enquanto conversávamos sobre a noite anterior, o quanto tudo foi lindo
e emocionante para todos. Algumas
pessoas já se despediam, outras nem sequer haviam acordado ainda, estavam
desmaiadas em algum lugar da casa. Nossos planos acabaram mudando, fazendo com
a gente voltasse pra casa ainda no domingo à noite, pois no dia seguinte Luan
teria a gravação de um programa. Antes do almoço, as meninas decidiram ir dar
uma passada na loja da família e me chamaram, aceitei prontamente, assim eu
poderia sair um pouco e conhecer aquela cidade maravilhosa.
— Qualquer coisa me liga, hein? — Luan pediu.
— Tá bom. — o beijei com todo amor.
Durante todo o percurso até a loja, as meninas foram me apresentando a um
lugar mais lindo que o outros. Elas me contavam as histórias de cada um, diziam
aonde Luan se apresentou no começo da carreira, meus olhos brilhavam. Um dia eu
gostaria de passear aqui com ele, aqui e em todos os outros lugares especiais
pra ele, pra sua carreira. Quando chegamos à loja, as meninas aproveitaram para
organizar algumas coisas que estavam espalhadas, enquanto eu e Bruna passeávamos
em uma pracinha ali perto.
— Essa pracinha é linda demais! — olhei tudo encantada.
— A gente vinha muito pra cá quando éramos crianças. — Bruna respondeu
sorrindo — É tudo bem tranquilo, eu gosto muito desse lugar.
— Você deve sentir muita falta daqui, né? — a olhei.
— Sim, demais!
— Aquilo é uma sorveteria ambulante? — olhei espantada ao me deparar com
uma sorveteria móvel.
— É sim! — ela começou a rir — Você quer um sorvetinho?
— Um carro enorme cheinho de sorvete. — sorri — Vamos lá?
— Fique aqui sentadinha, eu vou lá comprar pra gente. — ela respondeu
carinhosa.
— Obrigada, amiga!
Bruna seguiu toda sorridente atrás da “sorveteria móvel”, enquanto eu e
Luisa continuamos sentadinhas e cheias de vontade do nosso sorvetinho. Aquele
lugar me trazia paz, era bom sentir o vento batendo no meu rosto, bagunçando
meus cabelos e me fazendo respirar mais leve. Eu estava distraída, pensando em
algumas coisas que eu precisaria ainda comprar para minha Luisa, quando senti
uma pessoa sentando ao meu lado.
— Te assustei, moça bonita? — era uma cigana.
— Não... — a olhei — Eu só estava distraída.
— Pensando na sua filha? — perguntou olhando para a minha barriga.
— Como você sabe? — perguntei espantada por ela saber que era uma menina.
— Eu sei de tudo, querida. — sorriu — Posso ler sua mão?
Eu poderia responder que não, tanto porque nunca acreditei muito nesse
negócio de cigana, cartas, leitura de mão. Eu nunca cheguei a me aprofundar
nisso, mas como não vi nenhum mal em atender ao seu pedido, estendi minhas mãos
para que ela pudesse ler. Carinhosamente ela juntou as duas, fechou seus olhos
por alguns segundos, respirou fundo e me olhou sorridente.
— Eu posso ver um amor muito puro em sua vida, um amor que enfrentou
muitos obstáculos até aqui. — ela me olhou.
— Com certeza é em relação ao meu relacionamento com meu marido.
— Não consigo mais ver nada que atrapalhe vocês, absolutamente nada. —
isso era bom — Vocês estão ligados desde muito tempo, muitas outras vidas.
— Outras vidas? — perguntei assustada.
— Sim, meu bem! — sorriu — Você acredita em amor de outras vidas?
— Acredito!
— Vocês viveram muitas outras histórias. — foi impossível não me lembrar
de todos os meus pensamentos desde que encontrei Luan pela primeira vez — Em
outros corpos, mas as almas sempre estiveram ligadas.
— É incrível! — respondi pensativa.
— Eu vejo muitas realizações profissionais. — sorriu novamente — Vejo uma
união que é muito próxima a você. — involuntariamente me lembrei de Laura e
Douglas — Eu vejo muitos nascimentos, muitas crianças, verdadeiros anjos. —
sorri.
— Talvez sejam meus próximos filhos. — confessei rindo.
— Vejo um renascimento, sua filha é reencarnação de alguém muito especial
que partiu cedo demais. — e antes que eu pudesse falar qualquer coisa, ela
escondeu seu sorriso, me olhou por alguns segundo e voltou a olhar a minha mão.
— O que foi? — perguntei ao vê-la com uma expressão não muito boa.
— Morte! — ela me olhou.
— O que?
— Eu vejo a morte na sua vida.
— Morte? Mas, morte de quem? — me preocupei — Você deve se referir ao meu
ex-namorado que morreu, com certeza!
— Não, desse eu já falei. — ela continuou — É a sua morte.
Imediatamente eu tomei minha mão, aquilo só podia ser um pesadelo, não
estava acontecendo comigo. Tirei cinquenta reais de dentro da minha bolsa,
entreguei a ela que me olhava com um semblante preocupado e sai em direção onde
Bruna estava. Tentei me manter firme, não queria ter que tocar no assunto com
minha cunhada, nem com ninguém
— Bruna! — a chamei.
— Oi, eu estava indo! — sorriu me entregando o sorvete — Tá tudo bem?
— Está sim... — tentei falar — Eu acho que não estou me sentindo muito
bem, queria ir pra casa.
— Claro! — me olhou preocupada — Vem, vamos buscar as meninas.
Tudo parecia uma grande loucura, primeiro aquele sonho com Vicente, agora
essa mulher falando coisas absurdas e que ao mesmo tempo faziam tanto sentido.
Eu não queria me entregar a esses pensamentos horríveis, eu não posso fazer
isso comigo, nem muito menos com Luan e nossa filha. Tentei manter a calma, porque
eu sabia que Luan perceberia qualquer respiração diferente que eu desse, ele me
conhecia muito bem. Assim que chegamos ao sítio, almoçamos todos juntos, depois
organizamos nossas malas e partimos de volta para a nossa casa.
— Tá tudo bem? — Luan perguntou assim que colocamos os pés no nosso
cantinho — Você veio calada a viagem inteira.
— Só estou cansada, amor. — respondi sentando no sofá — Eu quero
descansar.
— Tem certeza que é só isso? — perguntou sentando ao meu lado — Quer
tomar um banho de banheira?
— Eu quero um banho. — o olhei — Você não vai sair mais hoje, né?
— Não, não vou sair.
— Quero dormir agarradinha com você. — me aproximei beijando seu rosto —
Sentindo seu cheirinho bom.
Subimos para o nosso quarto transbordando muito amor, assim como sempre
aconteceu no nosso relacionamento. Luan era minha paz, meu combustível, aquele
em quem eu encontrei toda a felicidade para continuar. Eu não sei como seriam
as coisas sem tê-lo ao meu lado, sem o seu amor, porque ele era tudo o que eu
precisava para viver. Viver, essa é uma palavra que me assusta nesse momento.
Quando perdi Vicente, por um momento pensei que eu não aguentaria conviver com
sua ausência, que não suportaria enfrentar os dias sem ele. Mas bem no fundo do
meu ser, algo me dizia que eu precisava continuar, que minha história ainda
estava sendo escrita, que apesar dos pesares, coisas boas aconteceriam pra mim.
E depois de um banho demorado, eu deitei ao lado do amor da minha vida,
na esperança de que ainda viveremos infinitos momentos maravilhosos, um sempre
ao lado do outro. A segunda-feira chegou linda, ensolarada, preparei um café da
manhã maravilhoso para o meu marido e ele se foi para cumprir seus deveres. Eu
não queria mais ter que pensar no que aconteceu, no que vem se passando na
minha cabeça, mas eu precisava dividir com alguém ou eu enlouqueceria. Liguei
para Laura, pedi que ela viesse me ver, pois eu tinha algo importante para
conversar com ela. Laura era a única pessoa nesse mundo que poderia me
entender, eu não tinha porque não compartilhar com ela do que eu estava sentindo.
Aproveitei para organizar meu closet enquanto minha prima não chegava, tirei
algumas coisas que estavam impedindo de uma das portas se fecharem, até que me
deparei com a caixa onde eu guardava as lembranças de Vicente. Olhei uma foto
dele, uma das minha preferidas, abracei como se eu tivesse o abraçando, com
todo o amor que existia dentro de mim. Acabei me assustando com a campainha,
deixei de lado a caixa com aquelas minhas preciosidades e desci para atender a
porta.
— Oi, tudo bem? — ela me abraçou — Fiquei preocupada com sua ligação!
— Eu preciso conversar com você, Lau!
Subimos para o meu quarto, ela me ajudou a colocar as coisas de volta no
closet e sentamos na cama, como fazíamos antigamente. Laura não era apenas a
minha prima, ela era minha melhor amiga, minha irmã, minha alma gêmea. Ela me
entendia no olhar, na maneira como eu falasse, compreendia meus medos e me
fazia acreditar sempre no melhor que existia dentro de mim. Primeiro eu contei
a ela sobre o sonho que tive com Vicente, da maneira como tudo aconteceu e de
como eu acordei na madrugada.
— Que sonho estranho, né? — ela falou pensativa — Ao mesmo tempo em que é
lindo, se torna meio confuso.
— O mais confuso foi o que aconteceu ontem, Laura! — a olhei com lágrima
nos olhos.
— E o que aconteceu?
— Ontem eu fui a uma praça da cidade com a Bruna, enquanto ela comprava
um sorvete pra gente, uma cigana sentou ao meu lado e pediu pra ler minha mão.
— Você deixou?
— Deixei, porque eu nunca acreditei muito nisso. — ela concordou com a
cabeça — E aí ela começou com umas conversas, falando da minha filha, do meu
casamento. — tentei não chorar — Ela falava tantas coisas que me faziam
realmente achar que fazia todo sentindo, sabe?
— E o que mais ela disse? — Laura parecia mais aflita que eu.
— Ela disse que Luisa é a reencarnação de alguém muito especial que se
foi cedo demais.
— Vicente! — ela me olhou espantada.
— Ela disse que eu e Luan nos conhecemos de outras vidas, vivemos muitas
outras histórias. — uma lágrima caiu dos meus olhos — Em corpos diferentes, mas
sempre com as almas ligadas.
— Meu Deus! — segurou minha mão.
— Mas... — eu não aguentei sentir aquilo novamente.
— Mas? — me incentivou a continuar.
— Ela disse que estava vendo a morte na minha vida.
— A morte de quem? — Laura fechou os olhos ao entender — Chega, Alice!
— A minha morte, Laura! — falei chorando.
— Isso não vai acontecer. — me olhou com lágrimas nos olhos.
— E se tudo fizer sentindo? E se esse for o meu destino?
— Você tá ficando louca em acreditar nisso, Alice?
— Mas e o sonho? — a olhei ainda chorando — E agora essa mulher falando
isso? Você não acha que é coincidência demais?
— Eu não vou permitir que você alimente esses pensamentos horríveis, eu
não vou. — ela segurou minha mão — Nada disso pode dizer o que vai e o que não
vai acontecer na sua vida.
— Só promete pra mim uma coisa? — pedi a olhando — Promete pra mim que se
qualquer coisa acontecer, você vai cuidar da Luisa?
— Para com isso! — negou
com a cabeça.
— Só promete pra mim? — supliquei —
Promete, Laura!
— Eu prometo se você prometer que vai
parar de pensar nisso.
— Eu prometo! — prometi tentando
secar meu rosto.
— Então, eu também prometo!
Naquele momento eu me senti extremamente aliviada, como se um peso
estivesse sendo descarregado das minhas costas e da minha consciência. Laura
tinha esse poder, de me fazer enxergar as coisas de outra maneira, daquela mais
bonita que possa existir nesse planeta. Continuamos conversando por horas,
choramos, compartilhamos confidencias que pertenciam unicamente a nós duas. Até
que em um momento de pura lágrimas, ela soltou um: “se você morrer, eu morro junto.” Era assim que as coisas
funcionavam, ela não viveria sem mim, assim como eu não viveria sem ela e todo
o seu amor.
Infelizmente uma hora ela precisou ir, pois ainda tinha que voltar pra
loja, mas me deixou um abraço apertado e a certeza de que ela estaria comigo
pra sempre. Assim que ela se foi, pensei em tudo o que me disse e decidi que eu
não mergulharia nessa loucura. Eu queria viver, eu precisava viver, eu sentia
como se Deus me dissesse: “te dou mais uma chance.” E assim eu continuarei seguindo,
acreditando do melhor. Preparei meu almoço, me deitei um pouco para assistir um
filme, mas acabei adormecendo e só fui acordar quando Luan chegou.
— Cheguei, meu amor! — ele falou beijando meu rosto — Já comeu?
— Comi sim. — sorri.
— Passei na padaria pra comprar aquele bolo trufado de maracujá que
você tanto ama. — se deitou ao meu lado.
— Eu te amo, tanto! — acariciei seu rosto.
— Eu te amo mais que tudo nessa vida!
— Eu quero ter outros filhos com você. — sorri o olhando.
— Então deixa só a Luisa nascer, que a gente começa a providenciar. — ele
cheirou meu pescoço — Vamos ter uns cinco.
— Tudo isso? — gargalhei — Não pode ser pelos menos mais uns dois?
— Quantos Deus quiser, meu amor.
“Tem um fim para toda tempestade. Quando todas as árvores forem
arrancadas, quando todas as casas forem destruídas, o vento vai se acalmar, as
nuvens vão se dispersar, a chuva vai parar. O céu ficará limpo em um instante,
e só então, nesses momentos silenciosos após a tempestade, nós descobrimos quem
foi forte o bastante para sobreviver.”
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