Algumas semanas depois...
Eu estava completando nove meses de gestação, Luisa estava com 45 cm e
pesava 3,5 kg, estava tudo pronto para receber a nossa princesinha. Confesso
que a ansiedade tomou conta de mim, principalmente nessa ultima semana que eu
comecei a sentir as contrações. Luan tirou alguns dias pra ficar com a gente,
pois sabíamos que a qualquer momento ela poderia nascer. Depois daquela minha
conversa com Laura, nós não tocamos mais no assunto, nem eu queria. O papai
estava sendo extremamente cuidadoso, ele acordada no meio da noite pra saber se
estava tudo bem, ligava sempre nas vezes em que precisava sair. Ele me
tranquilizava, tentava me passar calma nesse momento, fazia com que eu me
sentisse segura e confortável.
Era uma noite fria de sexta-feira,
estávamos tentando dormir, pois desde o finalzinho da tarde eu estava sentindo
algumas contrações fortes. Paula conversava comigo de meia em meia hora, mas
ela dizia que eu aguentava mais um tempo em casa, já que Luisa estava apenas se
preparando para deixar minha “barriga quentinha”. Eu tentava respirar, mas era
quase impossível, minha barriga estava enorme, dura e eu não tinha forças para
mais nada.
— Vida? — acordei Luan quando senti
minha bolsa estourar.
— O que foi? — ele perguntou um
pouco sonolento.
— Acho que minha bolsa estourou. —
o olhei apreensiva.
— Estourou? — levantou calmo — Está
na hora?
— Eu acho que sim... — senti uma
dorzinha se instalar no pé da minha barriga — Eu acho que chegou a hora.
— Quer ligar pra Paula? — ele
perguntou procurando o celular.
— Quero sim... — tentei responder ao
sentir um pouco mais de dor — Eu quero falar com ela. — Luan discou o número da
nossa médica e me entregou o celular — Paula?
— Como estamos, Alice?
— Eu acho que a minha bolsa
estourou.
— Saiu muito liquido?
— Muito, eu estava cochilando e
acordei toda molhada... Ai, eu estou sentindo dor agora. — tentei respirar.
— Certo, eu estou indo para a
clínica.
— Podemos ir logo? – perguntei
espremendo meus olhos.
— Agora! — respondeu firme — Sua
filha está pronta, Alice!
Eu sentia um misto de ansiedade,
felicidade e aflição, enquanto a dor só aumentava um pouco mais a cada segundo.
Luan ligou para nossos pais, para Laura e Douglas e avisou a Arleyde que nossa
filha estava pronta para nascer. Não demorou muito para que déssemos entrada no
hospital, enquanto eu tentava inutilmente respirar, mas Luisa não deixava.
— Vai com calma, filha! – falei
sentindo um pouco mais de dor.
— Ô filhinha, deixa sua mãe respirar.
– ele falava passando a mão sobre minha barriga.
— Você ligou pra minha mãe? – perguntei
o olhando.
— Liguei, eles estão vindo pra cá.
— respondeu carinhoso — Eu te amo, sabia?
— Eu te amo, muito! – o olhei com
todo o meu amor – Ai...
— Pensa que daqui a poucas horas, nossa Luisa estará aqui
com a gente. — ele falou tentando me tranquilizar.
Não
demorou muito para que a equipe de Paula me levasse para um quarto todo preparada, com pessoas extremamente cuidadosas e amorosas. Meu parto seria
normal, eu já estava com alguns centímetros de dilatação, as dores vinham cada
vez mais fortes e com frequência. Luan em nenhum momento saiu do meu lado,
nossos familiares começavam a chegar, todos estavam ansiosos e felizes com
aquele momento.
— Cheguei! —
Paula entrou sorridente no quarto — Como estamos? — perguntou me olhando.
— Estamos
com dor. — respondi a olhando.
— Vamos
fazer um exame rápido pra saber como Luisa está. — ela continuou sorrindo —
Estou ansiosa pra ver a carinha dessa princesa.
— Estamos
todos. — Luan falou acariciando minha barriga — Vem logo, Luisa.
Enquanto
Paula me consultava, Luan foi até a sala de espera para conversar com todos que
esperavam ansiosos por notícias. Já passava das 2h00 da madrugada, eu não
estava mais aguentando sentir tanta dor, nem Luisa queria mais continuar dentro
da minha barriga. Era um momento muito mágico, de profundo amor e intimidade
entre nós duas, eu e minha filha amada. Eu poderia sentir essa dor por muitas
horas, só por saber que no fim eu teria a minha Luisa nos meus braços.
— Vamos
levá-la para a sala de parto. — Paula avisou a sua equipe.
— Cadê o
Luan? — perguntei sentindo uma tontura.
— Ele está
vindo! — uma enfermeira me tranquilizou.
— Vamos lá!
— Eles me levaram para a sala.
Eu teria que
ser forte, teria que enfrentar todos os meus medos, para que eu pudesse trazer
minha filha ao mundo. Luan chegou sorrindo, mas por dentro ele estava nervoso,
estava tenso e com a mesma sensação que eu. Tudo era muito novo, nunca vivemos
um momento com esse, estávamos prestes a encarar uma nova realidade.
— Luan... —
o chamei enquanto sentia uma dor fora do comum.
— Eu estou
aqui, meu amor! — beijou minha mão — Não vou sair daqui, tá?
— Vamos lá,
Alice! — ela segurou minhas pernas — Força, sua filha está chegando!
— Aaai! —
gritei.
— Mais um
pouco, Alice! — ela me incentivou a continuar — Força, força!
— Só mais um
pouquinho, amor. — Luan segurava firme minha mão.
— Vamos lá!
— Paula falava animada.
— Ai, ai! —
gritei colocando toda a força que existia no meu ser.
— Só mais um
pouquinho... — e antes que Paula continuasse, Luisa nasceu.
“Ela nasceu,
nasceu.” Eram essas as palavras que eu ouvi logo em seguida do primeiro
chorinho da minha filha. Luan estava profundamente emocionado, me olhava, ao
mesmo tempo em que olhava tudo o que acontecia com nossa filha. Depois de todo
o procedimento inicial, Paula a colocou toda agasalhada em meus braços, me
fazendo sorrir de tanta felicidade. Ela era apaixonante demais, tinha o
cabelinho pretinho, pele branquinha, bochechas rosadas. Olhei suas mãozinhas,
seus pezinhos e a beijei com todo o amor que existia dentro do meu coração.
Luan a olhava encantado, admirando, parecia não acreditar que o fruto do nosso
amor estava bem na nossa frente. Uma das enfermeiras avisou que precisaria
levar Luisa para fazer alguns exames, mas que logo a traria de volta para a
primeira mama. Eu me despedi dela com mais dois beijos, como se dissesse a ela
que logo nos encontraríamos novamente. Quando a enfermeira tirou Luisa dos meus
braços, senti como se meu coração estivesse sendo esmagado, enquanto uma dor
tomava todo o meu corpo. Eu estava perdendo minha visão, minha respiração
estava falha e minhas mãos estavam dormentes.
— O que tá
acontecendo com ela? — Luan perguntou preocupado.
— Doutora,
ela está tendo uma parada cardíaca! — A enfermeira alertou.
— Não,
Alice! — Paula falou se aproximando — Traz o desfibrilador!
— ALICE! —
Luan gritou desesperado — NÃO FAZ ISSO COMIGO!
— Tira ele
daqui! — os enfermeiros o tiraram da sala — Fica comigo, Alice...
Essas foram
as ultimas palavras que eu me lembro, depois apenas abri meus olhos, me
deparando com o mesmo lugar do sonho que tive com Vicente. Dessa vez eu estava
sozinha, tudo estava em silêncio, eu nem sequer conseguia escutar a minha
própria respiração. Percebi que ao meu redor se passava um filme, com cenas
conhecidas pra mim, era o filme da minha vida. O meu nascimento, os meus
primeiros passos, as brincadeiras com meu irmão, meu primeiro dia de aula. Meu
crescimento, minha formatura da escola, meu primeiro namorado, minha paixão
pela fotografia, Vicente.
— Essa foi
uma boa fase, não foi? — me assustei ao ouvir sua voz atrás de mim.
— Vicente! —
corri para abraçá-lo.
— Como se
sente? — ele perguntou carinhoso.
— Confusa. —
confessei — Eu não sei o que está acontecendo.
— Olha esse
momento aí. — pediu que eu voltasse a olhar o que se passava ao nosso redor.
— Foi o pior
momento da minha vida. — me referia ao momento de sua morte.
E passou o
momento de quando eu me mudei para São Paulo, meu encontro com Luan, nosso relacionamento
conturbado, minha gravidez. Tudo se passava como boas lembranças, eu tinha a
sensação de estar assistindo uma novela onde eu era a personagem principal. O
nascimento de Luisa, o emocionante momento do nosso encontro, a maneira como
Luan nos cuidava. E tudo desapareceu, como se a energia tivesse acabado, como
se nada mais tivesse sentido naquele momento.
— A minha
filha. — o olhei emocionada — Você...
— Está tudo
bem. — ele enxugou uma lágrima do meu rosto.
— Eu estou
morta, não estou? — perguntei o olhando.
— Sim! —
falou com convicção — Mas você tem o direito de escolha, sabia?
— Escolher
entre ficar e ir? — o olhei confusa.
— Escolher
entre ficar ou ir. — repetiu.
— Eu escolho
ir. — falei o olhando nos olhos — Eu te amo, mas eu também amo eles dois.
— Eu sabia
que você faria essa escolha. — sorriu — Mas não se preocupe, eu estarei pra
sempre com você.
— Sei que
sim. — o abracei com todo o meu coração.
— Eu estarei
em um pedacinho da Luisa. — me olhou nos olhos — No coração.
E foi quando
eu compreendi as palavras daquela cigana, principalmente quando ela disse que
Luisa era reencarnação de alguém que partiu cedo demais. Vicente estaria sempre
comigo através do meu bem mais precioso, da minha filha amada.
— Esta na
hora de você voltar.
— Tá bom. —
sorri.
— Feche os
seus olhos. — atendi ao seu pedido — Eu amo você...
E eu
respirei fundo, respirei tão fundo que senti minha alma voltando ao meu corpo
de uma maneira que eu nunca conseguirei explicar. Apenas ouvi barulhos, eram as
enfermeiras e Paula tentando me reanimar, insistentes na batalha de me trazer
de volta a vida.
— Ela está
respirando! — alguém falou.
— Graças a
Deus, Alice! — Paula agora se aproximou.
— Luan... —
tentei falar ao abrir os olhos.
— Ele está
com sua filha. — ela me olhou sorrindo.
A partir
daquele momento eu não me lembro de absolutamente mais nada, mas eu sei que
elas me cuidaram com todo amor. Eu dormi por um longo tempo e acordei quando eu
estava no quarto, já recuperada do que havia acontecido. Tudo parecia confuso
demais, eu não sabia se meu encontro com Vicente foi real ou apenas imaginação
da minha cabeça. Meus pensamentos estavam todos embaraçados, fiquei pensando se
tudo não passou de apenas mais um sonho. Abri meus olhos com cuidado, tudo o
que eu mais queria naquele momento era ver as pessoas que eu mais amo.
— Luan? — o
chamei ao sentir a presença de alguém no quarto.
— Oi, meu
amor! — ele se aproximou — Você tem noção do susto que me deu? — Nos assustamos
com alguém batendo na porta.
— Posso
entrar? — Paula entrou na sala sorrindo — Como minha paciente preferida está se
sentindo?
— Cansada. —
falei com dificuldade.
— Mas seus
exames estão ótimos. — me olhou carinhosa.
— O que
aconteceu, Paula? — perguntei.
— Você teve
uma parada cardíaca logo após o nascimento da Luisa, você ficou sem batimentos
cardíacos por quase três minutos. — me assustei quando ela disse isso — foram
três minutos tentando te trazer de volta.
— Meu Deus!
— fechei meus olhos.
— Foi um
grande susto pra todo mundo que estava naquela sala, porque você deu nenhum
sinal de alerta durante a gestação inteira. — ela explicava.
— E como
será a recuperação dela agora? — Luan perguntou preocupado.
— Ela
precisará passar esse dia aqui em observação, porque amanhã temos alguns exames
simples pra fazer. — anotava algo em sua agenda.
— E Luisa? —
perguntei a Luan.
— Ela está
com nossa família. — ele sorriu — Podemos trazê-la aqui, Paula?
— Claro! —
ela respondeu saindo.
— Seus pais
chegaram, eles estão lá em casa. — Luan sentou em um cantinho da minha cama —
Meus pais, Bruna, Laura e Douglas também estiveram aqui.
— Eles viram
Luisa?
— Viram sim.
— sorriu — E aí pedi que eles fossem descansar.
— E você,
amor? — segurei sua mão — Não descansou ainda?
— Eu não
quis sair daqui antes que você acordasse, antes que eu tivesse certeza que você
estava bem.
— Eu te amo
tanto, Luan! — quase sussurrei.
— Eu tive
tanto medo de te perder. — ele abaixou a cabeça — Eu não sei o que seria de mim
sem você aqui.
— Não quero
que pense mais nisso. — respirei fundo — Estamos todos bem, daqui a pouco
estaremos em casa.
— Desculpa
interromper o papo, mas tem alguém aqui que quer ver a mamãe dela. — Paula entrou
com minha Luisa nos braços — Está aqui a sua princesinha.
Luan me
ajudou levantando um pouco mais a minha cama, para que eu ficasse quase
sentada. Ela me entregou a minha filha, fazendo meu coração quase explodir de
tanta felicidade por tê-la em meus braços novamente. Ela tinha um cheirinho
bom, seus olhos eram parecidos com os meus, mas seu narizinho e boca pareciam
com os de Luan. Era maravilhoso segurar minha Luisa, senti uma necessidade
enorme de chorar e assim eu permiti que acontecesse. Chorei, porque eu estive a
um passo de nunca mais poder nem sequer tocar a minha menina. Automaticamente
me lembrei das palavras de Vicente, de que ele estaria comigo através dela,
dentro de seu coração. E eu teria a prova disso no futuro, de uma maneira que
eu olharia para Luisa e enxergaria um pouco de nós três nela. Fisicamente
parecida comigo e com Luan, mas por dentro ela teria muito dele, principalmente
o caráter e amor. Eu enfrentei a morte, para provar que a minha vida é preciosa
demais para deixar que as coisas simples passem.